Centenário do Maestro Diamantino Vizeu (1923-2023)

"Ele abriu aos outros as portas doiradas da Glória e da Fortuna"
Fernando Batista (Zé Sincero), in Jornal "República"


No Centenário do Maestro Diamantino Vizeu
(1923-2023)

Quando em 1986, tive a ideia e sonhei com a concretização de um vasto e significante programa comemorativo do 40º Aniversário da Alternativa do Primeiro Matador de Touros Português, concretizado com assinalável êxito durante todo o ano de 1987, celebrando assim a gesta e a data festiva - o dia histórico, o 'milagre' que tardou dois séculos - do doutoramento em seda e ouro do jovem Diamantino Vizeu, na célebre tarde de 23 de Março de 1947, na Praça de Touros Monumental de Barcelona, longe estava em mim, a certeza do despertar de uma duradoura e leal amizade que mantive com o Maestro até ao dia em que atrás da sua urna, em total e sentido espírito de constrangimento, com toda a dignidade e noção do dever, transportei numa almofada as insígnias das condecorações com que o Estado Português o havia distinguido "e da lei da morte libertado".

Conheci o Homem pela mão de meu Pai - Manolo Escudero - um 'dossantista' empedernido - fíel até mais não! - mas que sempre mantivera com Diamantino uma relação de sincera cordialidade e muitas vezes servia de intermediário nalgumas das mais difíceis negociações da então Empresa Pena & Silva e anos mais tarde na Empresa OTA - Organizações Tauromáquicas de Algés... "o Manolo é que se dá bem com o Diamantino, ele que o sonde", disse-me muitas vezes o Américo Pena e o Alfredo Ovelha que era assim que no velhinho escritório dos pavilhões do Martim Moniz, o Maestro e Empresário Manuel dos Santos, resolvia que se havia que contratar o "rival" para uma mais importante data ou ciclo de corridas de verão... com o Américo Pena havia logo dificuldade de diálogo pelos valores atirados para cima da mesa, com o Ovelha... eram preliminares e mais preliminares.

O Manolo Escudero, subia então ao Jardim Constantino e lá levava a sua bonomia, o seu discreto charme, o seu sorriso por vezes cínico, umas rosas à Dona Yolanda a quem beijava logo a mão no seu puro castelhano que caía bem a uma simpática mexicana e... um maço de cigarros, para alimentar uma longa conversa na sala de esquina, em que sempre se sentou e onde anos depois me sentava eu a desfiar incontáveis memórias de um tempo que já não existe e do qual somente restam memórias e saudades... uma Tauromaquia perdida e que, na voragem de um tempo, castrador e impessoal que nos coube em sorte viver, quase se esquecia que hoje, 21 de Julho de 2023, cumprimos e vivenciamos, quase anónima e envergonhadamente, com o Centenário do nascimento do Maestro Diamantino Vizeu. Não vou aqui, escrever o que foi a sua trajetória como bezerrista, novilheiro e Matador de Touros... essa é uma história já bem conhecida dos poucos aficionados taurinos que, ainda, se lembrem do Primeiro Matador de Touros com as cores verde rubro.

Também, não vou falar da sua faceta de brilhante e autodidata Artista Plástico - excelente desenhador, pior pintor... mas, superior escultor - tendo bebido muito no atelier dos pintores Álvaro Duarte de Almeida e António Araújo, onde em plena Guerra Civil espanhola residiu como refugiado o enorme escultor espanhol Juan de Ávalos, o autor da monumental Cruz, da Pietá e do conjunto de Anjos do Vale dos Caídos. Esta sua faceta artística, nunca até hoje verdadeiramente estudada, merecerá uma exaustiva investigação e dará uma boa dissertação de Mestrado ou uma inédita tese de Doutoramento.
E que dizer da sua condição de escritor, seguro, exigente, um verdadeiro esteta da palavra como o havia sido do barro... de memórias, de estórias vividas, de aventuras africanas, de um mondillo taurino que foi vivido na primeira pessoa, como protagonista ou como tecedor de intrigas novelescas que um dia pensava publicar. Ficou a vontade...

Uma das suas maiores glórias - talvez a que mais lhe enchesse o ego e a vaidade, que grandes eram! - foi o 'seu' Fundo de Assistência dos Toureiros... um verdadeiro "filho" sempre acarinhado e aprimorado, todos os anos, numa gestão dura e de mão de ferro. Obra monumental, das mais redondas das suas faenas e, inequivocamente, a de mais alcance social e humano e, porque não dizê-lo, genuíno pellizco de Arte... 

Diamantino de quem fui amigo, cúmplice, confidente e contertuliano - conjuntamente com o saudoso Rogério Valgode - dos cafés de fim-de-tarde, ali pela Alameda, pela Estefânia e Almirante Reis ou de umas cervejas e amendoins na Portugália, foi com quem mais gozo me deu falar de touros... a sua interpretação do fenómeno taurino, a sua picardia e análise crítica que já se vivia ao tempo em que cruzou o burladero da eternidade, o seu conhecimento do touro e da História do Toureio a Pé, o seu triste avaliar do efetivo trabalho de apoderados e empresários, permitiam-lhe cometários como este... "convidaram-me para esta corrida e recusei pela minha sanidade mental". 

E, muitas vezes entre o mordaz e o sério dizia-me: "Custa-me a crer Escudero, que vá e saia feliz", e muitas vezes tive que concordar... outra vez rematou "Querido Escudero, o meu amigo, como o último dos "diamantinistas", não acha que faço falta a esta rapaziada... eu e o saudoso Manuel".

Conheci vários homens inteligentes, outros espertos - é o que há mais, infelizmente! -, mas Diamantino Vizeu, foi o mais surpreendente dos dois ou três que conheci 'perigosamente inteligentes' (um deles o meu Querido Fernando Teixeira e o outro, o não menos querido Victor Direito)... ímpar e irrepetível, incontornável na História Nacional da Tauromaquia, Diamantino Vizeu, ainda está vivo na memória de alguns, outros nem se lembram dele e muitos nem sabem quem foi... nem sequer é triste ou trágico... é a vida e o natural esquecimento do passado. 

Resta-nos evocá-lo, trazê-lo de novo ao ruedo e tributar-lhe uma tremenda de uma salva de palmas, de pé, em respeitoso e grato - porque justo, devido e merecido! - reconhecimento por ter sido ele o primeiro a escrever a letras de ouro a nossa História do Toureio a Pé... e não só, como hoje soe dizer-se. 

Vá por Ti, Maestro Diamantino Vizeu!

Vítor Escudero
(da Academia Nacional de Belas Artes e da Real Academia de Bellas-Artes de Santa Isabel de Hungria, de Sevilla)






Fotografias: Arquivo/ RTP/ DR

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